RH da Favela reforça potência da periferia
Iniciativa de assistente social ajuda na reinserção de moradores da comunidade no mercado de trabalho

RH DA FAVELA, O BRECHÓ E A VIRADA SOCIAL
Quando viu que o desemprego causado pela pandemia atingia de forma mais forte os moradores da periferia, a assistente social Marilucia Luz resolveu agir: em agosto de 2021 criou um espaço no bairro onde cresceu, o Nordeste de Amaralina, para capacitar e ajudar quem tinha urgência de se recolocar no mercado de trabalho. O projeto recebeu o nome RH da Favela, se estabeleceu como um negócio social e hoje consegue impactar, por mês, 200 pessoas direta ou indiretamente.
“Sou filha do Nordeste de Amaralina, não resido mais aqui mas minha família ainda mora no bairro. E eu tinha uma dívida social porque nunca tinha feito um trabalho dentro da comunidade”, explicou Marilucia. “Uni o útil ao agradável: juntei num projeto único uma possibilidade de estágio para minhas alunas universitárias, que precisavam da experiência e tinham capacidade para ajudar a comunidade, e comecei a tocar iniciativas para fomentar o comércio e atividades locais, já que muitos serviços públicos recuaram durante a pandemia e o desemprego pegou muita gente”.
De acordo com dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, no terceiro trimestre de 2020 o estado tinha 20,7% de pessoas desempregadas, o maior índice do país. Segundo o IBGE, ao final daquele ano mais da metade das mulheres brasileiras em idade produtiva ficou excluída do mercado de trabalho, sendo grande parcela oriunda de favelas ou periferias. Ainda segundo dados de 2010 do IBGE, o complexo do Nordeste de Amaralina, que é formado pelos bairros da Santa Cruz, Chapada do Rio Vermelho, Vale das Pedrinhas e o próprio Nordeste, tem aproximadamente 80 mil habitantes e é considerado um dos maiores bairros de Salvador.
Não é à toa que o RH de Favela, que conta com três voluntários das áreas de psicologia e assistência social – além da própria Marilucia – é justamente mais procurado por mulheres, muitas delas mães solo e únicas provedoras da casa. A idealizadora do projeto explicou que foi necessário criar um processo com metodologia própria, que inclui entrevistas presenciais para orientação dos candidatos.
“Quando recebia pedidos para ‘dar uma olhadinha no currículo’, percebia que faltava informação essencial. Vi que era necessário fazer uma entrevista, desenvolver principalmente com as mulheres, que são nosso público maior, uma forma de superar a timidez, falar sobre suas experiências. Reconhecer a importância do que faz, sou uma babá de qualidade, o que isso significa, o que minha experiência me faz trabalhar a educação de uma criança num determinado contexto. É saber se vender no bom sentido. É entender que o ponto de partida do RH de Favela é de dentro da comunidade. É para o público não precisar sair da comunidade, reconhecendo a potência da favela”.
O RH de Favela se apresentou como possibilidade real e prática para que moradores do Nordeste de Amaralina pudessem amortizar as dificuldades com a pandemia e o enxugamento do mercado de trabalho. Foi o caso de Eládio Júnior, profissional do setor de logística e controle de estoque, que conseguiu voltar ao mercado de trabalho após ficar nove meses desempregado.
“O RH da Favela me ajudou muito na busca de uma nova colocação no mercado. Auxiliou-me a elaborar um currículo da forma profissional, correta, e isso fez a diferença. Eu enxergo essa iniciativa como uma ferramenta muito boa para ajudar as pessoas que estão em busca de um novo emprego”, avaliou o profissional.
Hoje o RH de Favela é um braço do Instituto Viva, ONG criada por Marilucia que conta com uma série de projetos voltados para o desenvolvimento social dos moradores da comunidade. “Antes de passar pelo RH o trabalhador encontra aqui um acolhimento, temos um brechó solidário para conseguir roupa mais acessível para entrevista de emprego. É uma imersão total. Para qualquer pessoa, independente do processo que venha a buscar na casa, seja instituições que estão começando ou mesmo aquelas que já estão desenvolvendo atividades, a gente tem vários profissionais que fazem orientação de forma voluntária. Aqui é uma casinha toda conectada, cheia de redes, o indivíduo tem um atendimento personalizado para sua demanda. A gente não trabalha em lote”, apontou Marilucia.
Futuro: brechó e virada social
O brechó, aliás, é um dos pontos que mais movimenta o Instituto Viva e o RH, e também acaba revelando talentos. Gleice Santana, por exemplo, é nutricionista e voluntária. Foi convidada por Marilucia para participar do projeto de Aceleração Sustenta Brechó Aceleradora, um curso voltado para mulheres que empreendem neste ramo. “Eu aceitei o convite logo de cara, foi uma oportunidade de enriquecer mais meu currículo e ter contato com mulheres engajadas no movimento de empreendedorismo sustentável. Abordou temas como economia criativa, economia circular, o marketing e empreendedorismo feminino, também moda e sustentabilidade. O brechó está muito ligado a esses conceitos”, disse a voluntária.
Hoje Gleice é uma das responsáveis pelo Brechó Sustentável e também pela escola de brecholeiras, que leva adiante a formação nesse ramo. “A Escola de Brecholeiras vem da ideia de estimular o empreendedorismo feminino dentro de comunidades periféricas. Eu acredito que o empreendedorismo nasce da falta de oportunidade de trabalho convencional, para mulheres é até mais cruel. Estimular o brechó nas comunidades é algo importantíssimo”.
E tem mais por vir: no dia 2 de dezembro, no Hotel Mercure, em Salvador, vai acontecer a Virada Social, um evento para divulgar as inciativas sociais, culturais e inovadoras dentro das favelas, tendo como principal referência o Nordeste de Amaralina. “Normalmente vemos projetos voltados para música e dança, mas temos muitas áreas para explorar. Gastronomia, o trabalho dos artesãos, inovação. O que a gente deseja mesmo é quebrar o estigma que de que o morador de periferia não tem potência, não tem inteligência, não tem criatividade. Mas tem sim, e faz muita coisa bacana. É isso que a gente quer mostrar para o mundo”, finalizou Marilucia.
Por: Correio da Bahia
Comentários (0)
Comentários do Facebook