Polícia conclui inquérito e indicia funcionário do IBGE espancado por bolsonaristas ao fugir de ato em rodovia por tentativa de homicídio

SSP informa que inquérito foi relatado e encaminhado ao MP. Polícia de Amparo entende que agressões contra Tiago Pereira, de 23 anos, ocorreram após ele atropelar pessoas que estavam bloqueando a via de forma deliberada.

Polícia conclui inquérito e indicia funcionário do IBGE espancado por bolsonaristas ao fugir de ato em rodovia por tentativa de homicídio
Foto Reprodução

A Polícia Civil de Amparo (SP) denunciou o funcionário do IBGE agredido por bolsonaristas durante bloqueio ilegal da Rodovia Engenheiro Constâncio Cintra (SP-360) por tentativa de homicídio na direção de veículo automotor. Em nota enviada nesta quarta-feira (9), a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o inquérito "foi relatado e enviado para apreciação no Ministério Público e Justiça".

O caso ocorreu no último dia 1º de novembro. Tiago Marcolino Pereira, de 23 anos, alega que foi ameaçado e agredido antes de furar o bloqueio, sendo perseguido e linchado. Ele teve o nariz fraturado e sofreu diversas escoriações pelo corpo.

O delegado Rodrigo Sala, responsável pelo caso, havia afirmado ao g1, com base nos depoimentos colhidos, que o servidor do IBGE avançou com a intenção de atingir quem estava fazendo o bloqueio da via deliberadamente, sendo alvo das agressões após o esse fato.

Sobre as agressões, a SSP informou que o setor de investigações da delegacia de Amparo "segue apurando e trabalhando para a identificação dos envolvidos".

O advogado Sérgio Augusto de Souza, que defende Tiago, espera que os esclarecimentos sobre o caso venham aos autos e que seu cliente possa ser inocentado.

"Eu espero que o Ministério Público, como fiscal da lei, tenha o bom senso de entender que o Tiago é vítima. É algo espantoso, que alguém que quase perde a vida linchado, figura em uma ação penal como alguém que atente contra a vida", disse.

g1 procurou o MP para comentar o indiciamento e questionar se vai apresentar denúncia contra Tiago à Justiça. A reportagem será atualizada assim que o órgão se manifestar.

 

'Trabalhava para Lula'

 

Tiago conta que temia pela vida quando avançou contra o bloqueio ilegal, uma vez que estava cercado por pessoas que desferiam golpes contra o carro, contra ele e que gritavam, entre outras coisas, que o "IBGE trabalhava para Lula".

 

"Começaram a gritar que era para eu ligar para o (ministro do STF) Alexandre de Moraes, falavam que eu trabalhava para o Lula, deram socos e chutes no carro, abriram a porta do carro e me deram um soco na cara. O carro estava desligado. Foi aí que liguei e tentei sair dali. Dei a ré, vi que tinha pessoas atrás e parei para não atropelar. Engatei a primeira e tentei desviar das pessoas. Um se feriu porque estava segurando a porta do lado da minha colega", relata Tiago.

 

No registro da ocorrência, o delegado responsável entendeu que a versão de Tiago demonstrou ser "inverossímil, na medida em que as testemunhas – inclusive sua colega de trabalho – nega que tenha ocorrido qualquer agressão ou provocação na altura do bloqueio", e determinou a prisão em flagrante por tentativa de homicídio.

Ao contrário do relatado pelo delegado no auto de prisão, Carmem da Silva Rodovalho, de 47 anos, afirmou ao g1 que Tiago foi agredido já no bloqueio da rodovia, e que eles fugiram pois temiam pela vida.

 

"O Tiago estava tentando dialogar, mas tinha um mais inflamado. Falou que não iria passar, e chamou outros que cercaram o carro. Falaram que iriam jogar o carro barranco abaixo. Tentaram abrir minha porta, abriram a de trás. Bateu desespero na gente. Deram um soco no Tiago. Foi aí que ele deu uma 'rézinha', engatou a primeira e foi. Perseguiram a gente, carro fechando. Foi desesperador", contou.

 

Ao g1, o delegado Rodrigo Caldeira Sala disse que indagou a funcionária, e garantiu que ela teria afirmado que não houve qualquer agressão e provocação por parte dos bolsonaristas no bloqueio. "O depoimento oficial já foi prestado, e foi muito claro. Caso o Ministério Público entenda por uma nova oitiva, ela será solicitada", disse.

O delegado ressalta que no dia solicitou que uma equipe fosse ao local levantar imagens do possível atropelamento, mas não foram encontrados registros ou câmeras de monitoramento no trecho.

Sala destaca que teve de basear sua decisão nos depoimentos de vítimas e testemunhas, e que diante dos "graves fatos" narrados, só não houve maior gravidade nas ações de Tiago por "vontade alheia a ele", que teria "avançando o bloqueio com intenção" de atropelar quem bloqueava a via.

Foto reprodução

'Fiquei desolado'

Ao relembrar o episódio, Tiago conta que tentou, por diversas vezes, esclarecer aos bolsonaristas que seu trabalho e cargo não era político-partidário. "Tentei explicar que não trabalhava para partido algum. Nesse período minha companheira tentava ligar para o coordenador, mas o sinal do celular não funcionava".

Segundo o supervisor do IBGE, após o carro ser cercado, a situação foi piorando, e inclusive tentaram arrancar sua colega de serviço do carro, mas não conseguiram abrir a porta do passageiro. Após terem aberto a porta traseiro e o agredido, foi quando decidiu furar o bloqueio, mas defende que buscou desviar das pessoas, ao contrário dos depoimentos de apoiadores de Jair Bolsonaro à polícia.

Nos depoimentos das pessoas que constam como testemunhas e vítimas de Tiago, todos defendem que não houve agressão ao servidor, e que ele acelerou e saiu atropelando pessoas sem tentar desviar ou emitir qualquer sinal visual ou sonoro para alertar a passagem. Apesar do depoimento falar em atropelamento de várias pessoas, há apenas um registro de escoriações em uma das vítimas - a que Tiago alega que estava segurando a porta do passageiro do carro quando tentou fugir do grupo.

Após vencer o bloqueio, os servidores no carro oficial foram perseguidos. Tiago relata que eram quatro carros e duas motos na perseguição, e por diversas vezes tentaram tirá-lo da pista, o que fez com que andasse na contramão por alguns trechos.

Durante a perseguição, uma viatura da Guarda Municipal de Amparo avistou a situação e interveio. Tiago relata que decidiu parar o carro ao ver a viatura na tentativa de buscar ajuda, mas o carro acabou cercado e foi vítima de diversas agressões, entre elas a que provocou a fratura do seu nariz.

Os guardas relataram à Polícia Civil que foi necessário dar um tiro para o alto, de advertência, para dispersar o grupo. Tiago foi então levado ao hospital, e depois encaminhado à delegacia, onde imaginava que irá registrar boletim de ocorrência contra os agressores, e não imaginava que seria autuado por tentativa de homicídio.

Fonte:G1 Campinas e Região